O brincar é o grande instrumento de apropriação do conhecimento das crianças, ou seja, uma criança se constrói enquanto brinca. Brincar é um instinto inerente em todo o reino animal. A evolução fez com que o brincar se tornasse uma característica permanente, que nos permite – desde a infância – treinar nossas habilidades físicas, sociais e emocionais. Habilidades que serão essenciais para toda a vida e para viver de forma plena e significativa. Brincar permite-nos, entre outras coisas, criar relações de qualidade, ensina-nos a gerir emoções e a definir limites seguros.
Por outro lado, a privação do brincar é um grande problema, muitas vezes despercebido na nossa sociedade. Segundo Steve Keil, no Manifesto pelo brincar: “…nós desenvolvemos uma maior maturidade emocional e uma melhor habilidade de tomar decisões se brincarmos mais, e a maioria dos sistemas educacionais acreditam, de forma equivocada, que o oposto do brincar é o trabalho. Não! O oposto de brincar é a depressão”, portanto, difundir a cultura do brincar é fundamental para nossa sobrevivência e para nossa felicidade. Para Steve, o ato de brincar expõe a criança a várias situações que estimulam habilidades para a vida.
Fazendo conexões por meio do brincar
Somos seres sociais, e desde a primeira infância precisamos de calor humano e de conexões. Estudos sobre a felicidade revelam que ter relacionamentos de qualidade é o principal fator para uma vida feliz, portanto, brincar é uma das maneiras mais criativas que a evolução encontrou para nos conectar com nossos pares e nutrir um sentimento de pertencimento. O brincar nos ajuda a construir o nosso maior recurso, que é o nosso capital social, e nos ajuda ainda a construir comunidades sustentáveis e lúdicas, algo fundamental em uma sociedade que precisa, neste período histórico, recuperar a confiança no outro.
Brincar ajuda a nos sentirmos bem
“Brincar é coisa de criança!” Isso é o que a maioria dos adultos pensam, mas essa é uma mensagem errada. O brincar é uma força tremendamente poderosa que molda nossa vida desde cedo e, quando voltamos a vivê-la, nos permite escapar de uma lógica cinzenta e utilitarista. As crianças sabem bem disso, dizer sim ao instinto de brincar é renunciar ao controle e nos entregar à vida como ela é, saborear a variedade e a diversidade, é redescobrir nossos talentos e experiências vivas de conexões irrepetíveis.
O brincar é a possibilidade de encontro
Vivemos um momento histórico em que o distanciamento e a dificuldade de viver bem se tornaram a norma, em que a sensação de desamparo parece uma realidade insuperável, por isso devemos lembrar do ditado “se a vida te der limões, faça uma limonada!”. Para isso, para não sucumbir à tempestade, precisamos ser resilientes e criativos. O brincar é uma oportunidade de encontro consigo mesmo e com os outros, que não precisa mais do que um convite e um “Sim”. Para fazer isso, no entanto, é preciso apenas silenciar nossa vaidade racional por um tempo, afinal, “Nós não rimos porque estamos felizes, estamos felizes porque rimos”.
A importância do brincar para o crescimento da criança
A aprendizagem por meio da brincadeira é uma forma de fomentar o desenvolvimento da criança. A brincadeira é uma atividade em que as crianças mostram sua extraordinária capacidade de exploração, imaginação e tomada de decisão, ainda que o tipo de brincadeira e seu propósito mudem ao longo do seu desenvolvimento.
Ao brincar, a criança aprende a controlar suas emoções, a reduzir o comportamento impulsivo e o estresse, desenvolvendo a empatia e o senso de justiça à medida que brinca com outras crianças.
Com relação ao aspecto cognitivo, quando a criança brinca individualmente e com outras pessoas, suas habilidades cognitivas, como pensar, lembrar, aprender e prestar atenção, são aprimoradas, pois ela está exposta a situações em que necessita desenvolver habilidades para resolver problemas, usando o poder da imaginação e da criatividade, assim como da concentração, da tenacidade e da resiliência.
O processo educacional na infância se efetua com a participação da criança e do professor, duas pessoas que brincam juntas. É fundamental perceber a brincadeira como facilitadora do crescimento individual, pois o brincar conduz aos relacionamentos saudáveis, e estes são essenciais para uma vida feliz.
O brincar e a educação infantil
Na educação infantil, podemos chamar de desenvolvimento a uma forma altamente especializada do brincar, que está a serviço da comunicação da criança consigo mesma e com os outros, ou seja, brincar é mais do que se expressar, é ir ao encontro de si mesmo.
Por fim, podemos elencar muitos benefícios do brincar, dentre eles, os estímulos às competências, o desenvolvimento da atenção e da concentração, o aprimoramento das manifestações e expressões verbais e corporais, a criatividade, o respeito às regras, a afetividade, a felicidade, o autoconhecimento e a superação, mas o mais importante é ressaltar que o brincar tem um valor em si mesmo, e devemos permitir que as crianças nos ensinem como é educar por meio do brincar.
Precisamos focar em uma educação que não seja produzida a partir de interesses dos adultos, mas que tenha uma relação de respeito com a infância, que busque práticas que provoquem a imaginação e a criatividade, e que promovam novas formas de existência e novos mundos possíveis. Afinal, a infância não pode se resumir a um período ou uma fase vivenciada no tempo, ela não deve acabar, ao contrário, deve continuar pela vida toda.
Israel Boniek é escritor e diretor do Instituto Infâncias. Doutor em Educação, pós-graduado em Psicanálise e em Neuroeducação, com atualização em Neuropsicologia da memória. Possui estágio em Educação Infantil na Inglaterra e Reggio Emilia, na Itália, onde foi certificado pelo Internacional Program Reggio Emilia Approach.